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  • Thaynara Belmonte Aranda Oliveira

Lídia Baís: Uma mulher a frente de seu tempo

“Por minha causa vocês ficarão na história”. Essa é uma frase de Lídia Baís, uma pintora campo-grandense nascida em 1900, que, apesar de ter tido uma família rica e condições para viajar pelo mundo, acabou nascendo em uma cidade que, no momento, não era muito receptível a certos comportamentos e expressões artísticas. Agora faremos uma reflexão sobre as vivências estéticas desta pintora e também evidências de elementos culturais da região que podem, ou não, ter contribuído para a ascensão tão lenta e tardia da mesma.

Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul, foi fundada em 26 de agosto de 1889, ou seja, quando Lídia Baís nasceu a cidade morena mal havia completado 11 anos de sua fundação oficial, era uma cidade pequena, com poucos habitantes, no interior do Brasil, onde graças ao seu terreno e paisagem o agro já começava a plantar suas raízes. Sabemos que a economia local pode moldar a cultura, os gostos e a moral das pessoas que vivem nele, ou seja, apesar da grande influência dos imigrantes que aqui chegaram, podemos notar a presença do campo em nossa cidade até nos dias de hoje.

Lídia foi uma mulher extremamente religiosa, porém, não era religiosa do jeito que a sociedade patriarcal desejava: ela não servia somente a um homem, ela não se casou, ela não se restringia a atividades que eram tidas como para mulheres, ela era mais, ela sempre quis mais, e como reflexo de todos esses desejos podemos ver o seu apagamento, o seu isolamento artístico. Apesar de ter família rica e condições de estudar com os melhores professores, isso não lhe foi permitido; estudou sim, com Henrique Bernardelli, mas a maior parte de seu conhecimento foi de forma autodidata.

Viajou muito pela Europa com familiares e frequentou diversos museus, conheceu personalidades brasileiras, inclusive trocou cartas com alguns, que acreditavam muito em seu potencial, mas quando voltou ao Brasil, foi obrigada pela família a permanecer em Campo Grande. Contra a vontade da família voltou ao Rio de Janeiro para retomar os estudos em arte e promoveu uma exposição em dezembro de 1929, mas com dificuldades financeiras, estabelece-se definitivamente em Campo Grande.

A prática nos leva a apreciar ou não algo, quando a cortina do desconhecimento se dissipa nós podemos avaliar com mais convicção um trabalho, ou seja, quanto mais temos conhecimento sobre determinado assunto poderemos opinar de forma mais fiel, e o mesmo vale para apreciações; se você consome muita arte com certeza terá um olhar mais afinado para ela, você conseguirá entender a composição, as interpretações, os detalhes; caso não consuma nada seu entendimento será vago, muito carregado de opiniões de outros, e talvez esse seja mais um dos motivos para que Lídia não tenha conseguido tanto prestígio em sua cidade natal, levando em consideração que se Campo Grande em 1930 não fazia questão de entender a arte.

Estimular a vida artística da cidade também era um dos sonhos de Lídia, após a morte de seu pai, ao contrário do que muitos esperavam, ela resolveu ficar na cidade junto de sua mãe e criar o Museu Baís, um local onde poderia expor suas obras e dialogar com outras pessoas, da mesma forma que fazia em suas visitas às cidades de São Paulo e Rio de Janeiro; porém, mais uma vez, isso não traria benefícios a classe dominante, qual seria o sentido de um MUSEU com obras de uma MULHER SOLTEIRA, e uma cidade que até então não possuía nem mesmo energia elétrica? E mais uma vez Baís foi vista como imoral, como louca.

Colagem digital produzida pela bolsista monitora Thaynara Belmonte, para a exposição Lídia Baís - Arte Postal Na História (2018).

Louca. Acredito que Lídia tenha perdido as contas de quantas vezes as pessoas a chamaram assim, e então, passou seus últimos anos de vida em uma casa longe da Av. Afonso Pena, longe de suas telas, longe de seus instrumentos, longe de sua paixão. Tudo isso pois era uma mulher à frente de seu tempo em um interior que ainda não estava pronto para lhe receber com toda sua grandiosidade – que ela sabia que tinha.

Com essas reflexões a pergunta final é: Como seria a vida de Lídia Baís se as referências fossem diferentes? Se ela tivesse nascido anos mais tarde? É de senso comum que gosto é mutável de acordo com a época, com o que está ao nosso redor, e talvez hoje em dia ela já teria sido chamada de louca menos vezes, tivesse conseguido montar o seu sonhado museu, conseguisse ouvir de outras bocas o quanto é suas obras e sua personalidade são incríveis...ou talvez ela tenha nascido na época certa para ajudar a mudar a realidade que vivemos hoje. Uma mulher, uma artista que queria mais do que lhe foi imposto, que não só reproduzia a realidade como a transformava, que até mesmo “enlouqueceu” indo atrás de realizar seu sonho, que infelizmente não viveu para ver tudo que é feito e escrito sobre ela, mas que realmente deixou sua marca, que deixou o sobrenome da família na história. Lídia Baís vive!

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